quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

ORIENTAÇÃO SEXUAL É UMA "ESCOLHA" LIVRE OU UMA FATALIDADE?


Por Contardo Calligaris

ESTÁ EM cartaz "Crazy - Loucos de Amor", de Jean-Marc Vallée (canadense de língua francesa). É a história de Zac, um garoto que se torna adulto e homossexual entre uma mãe religiosa, um pai banalmente machista e quatro irmãos.

O filme é uma pérola: delicado, engraçado e comovedor. Além disso, ele é uma obra de utilidade pública. Ao longo dos anos, muitas vezes, encontrei e tentei aconselhar casais que lidavam, de maneiras diferentes, com a descoberta de que seu filho (ou um de seus filhos) era homossexual. As reações variavam, desde uma aprovação maníaca (que, em geral, escondia um desespero reprimido) até a decisão sádica de impor a normalidade a tapas ou à força de excursões obrigatórias ao bordel.

Pois bem, hoje, a todos esses pais de um jovem homossexual, sem exceção, recomendaria que, antes mesmo de começar a conversa, eles assistissem a "Crazy". Estenderia a recomendação aos eventuais irmãos do jovem, aos amigos, aos colegas de colégio e de trabalho.

Deixo aos espectadores o prazer de uma história que, para usar uma expressão na moda, melhora singularmente nossa "inteligência emocional". E aproveito para resumir um debate que o filme reavivou.

Falando com um amigo sobre a história de Zac, usei a expressão "escolha sexual" (diga-se de passagem que, no filme, Zac é perfeitamente "capaz" de desejar e talvez de amar uma mulher). O amigo desaprovou energicamente minha expressão. E lá fomos nós, discutindo, mais uma vez: a orientação sexual é fruto de uma especificidade genética ou é um efeito da história do sujeito? Além disso, é uma fatalidade ou uma "escolha"? Chegamos a algumas conclusões provisórias, que resumo a seguir.

1) Os dados científicos não são conclusivos. Por exemplo, os estudos sobre gêmeos univitelinos (que já comentei no passado, nesta coluna) deixam, sobretudo, perplexidade: seria esperado que uma maioria esmagadora de irmãos gêmeos, por compartilharem o mesmo patrimônio genético, tivesse uma orientação sexual idêntica, mas as pesquisas mostram que isso acontece em pouco mais de 50% dos casos -uma maioria pequena, que poderia ser explicada pela infância comum.

2) De qualquer forma, o termo "escolha sexual" é, no mínimo, impreciso: ele sugere uma liberdade que, de fato, nunca existe em matéria de amor e sexo. Em geral, a fantasia que sustenta o desejo de cada sujeito (homossexual ou não) é mais próxima de uma imposição do que de uma criação livre e variável: não é uma coisa que a gente "escolha".

3) A razão para defender a expressão "escolha sexual" ou, então, seu contrário (por exemplo, "determinação sexual") é sobretudo política. Muitos sujeitos cuja conduta amorosa e sexual é excluída, perseguida ou censurada preferem, hoje, que a forma de seu desejo seja considerada por todos como uma necessidade biológica. Com isso, eles se libertariam das tentativas (ridículas e opressivas) de "corrigir" o que, para eles e de fato, é um desejo não negociável (que pode ser reprimido, mas não "endireitado"). Em suma, eles esperam ganhar uma aceitação social definitiva, visto que não há como se opor "à natureza".

Por que não adotar esse argumento, considerando que, de qualquer forma, a expressão "escolha sexual" é incorreta?

Eis minha resposta: no mundo dos meus sonhos, as mais variadas orientações sexuais e amorosas seriam aceitas sem a justificativa de determinação biológica alguma, mesmo se elas fossem livres escolhas dos sujeitos.

Um exemplo vai ser útil. Uma filósofa libertária que admiro, Jeanne Hersch (que morreu em 2000), foi minha professora na época em que ela dirigia a divisão de filosofia da Unesco. Nessa função, ela teve que decidir se a Unesco financiaria ou não uma pesquisa para demonstrar que não existem diferenças de inteligência entre raças. Hersch votou contra o projeto, pela indignação de boa parte de nós, estudantes. Os filósofos apreciarão o sabor kantiano de seu argumento, que foi o seguinte: é verdade que a pesquisa poderia desmentir cientificamente muitos estereótipos raciais e racistas, mas autorizar a pesquisa significaria admitir, mesmo por um instante, que a igualdade de direito possa derivar da igualdade de fato. Isso era, para Hersch, inaceitável.

Seguindo sua lição, prefiro defender o princípio da liberdade de "escolha" amorosa e sexual, sem justificativa biológica. É muito "crazy"?

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

O POVO BRASILEIRO MERECE O GOVERNO QUE TEM


O brasileiro não tem memória curta, ele tem amnésia crônica. Ou isso, ou somos o povo mais benevolente da face da Terra. Que outra razão pode explicar a volta de 11 malditos deputados filhos da puta, com almas e passados tão limpos quanto a racha de uma prostituta sifilítica, suspeitos de envolvimento nos escândalos de corrupção dos mensaleiros e sanguessugas à Câmara? O que pode explicar a volta de gala do Fernando “Bastardo” Collor de Melo ao Palácio do Planalto como o senador mais votado em Alagoas? Ah, desculpe... para essa última pergunta, a ex-senadora Heloísa “Abaixo o Banditismo Político” Helena já nos deu a resposta.

Segundo ela, o povo alagoano votou no Collor pq “se o Lula, que roubou tanto – ou até mais – que o Collor será reeleito, pq o Collor não tem direito ao nosso voto?”. Essa é a mesma linha de raciocínio dos paulistas, que elegeram Paulo Maluf - o “homem que rouba, mas faz!” - como um dos deputados federais mais votados do país nessas eleições.

Será que isso tudo soa como absurdo apenas para mim?

O brasileiro clama por uma revolução na política, mas não consegue entender que isso só será possível renovando os políticos que nos governam e nos sugam há anos. E o mais importante: ser um expectador de esporte só contribui (e estimula) a falta de compromisso dos políticos em honrar suas promessas eleitorais. Não existe cobrança da população. Todos acham que sua contribuição se restringe a votar e ponto final.

O problema é que nem votar o brasileiro saber fazer. Não bastasse colocar panos quentes no passado sórdido dos corruptos e reelege-los, o brasileiro ainda teve a capacidade de eleger nessas eleições (e com votos recordes) figuras como Clodovil e Frank Aguiar, por exemplo, que claramente não passam de testas-de-ferro na ascensão de políticos do partido deles.

Comparo o cenário político do Brasil com a fracassada campanha da seleção brasileira na última Copa. Não perdemos o hexa só pq o Ronaldo, Roberto Carlos, Cafu e tantos outros estavam fora de forma e apáticos. Eles foram escalados pra jogar e, portanto, apenas cumpriram – insuficientemente – seu dever. A culpa é, principalmente, de que os convocou, de quem teve medo de apostar num time mais bem preparado fisicamente e ávido por mostrar serviço. Em outras palavras, a culpa maior foi do técnico.

E da mesma forma que o Parreira foi o principal responsável pela derrota do time na Copa, valorizando nomes ao invés do bom futebol, o eleitor é o principal culpado pela má administração do país, pois ele é quem escala o grupo que deveria nos levar à vitória e nos trazer alegrias.

Deveríamos fazer como o Dunga fez com a seleção: renovar totalmente o time e só dar uma segunda chance àqueles que verdadeiramente acreditamos não terem desempenhado um bom papel por causa da falta de suporte dos maus jogadores (como o Kaká e o Ronaldinho Gaúcho, por ex). Mas aqui, mais uma vez, devemos seguir o exemplo do Dunga: escalo-los, sim; mas começando no banco. Se eles quiserem nosso voto de total confiança novamente, terão que reconquista-lo com perseverança e humildade.

O dia que o brasileiro compreender isso, talvez nosso governo dê o salto de qualidade que tanto ambicionamos.

terça-feira, 12 de setembro de 2006

BUSCA


A essência de minha existência pode ser resumida em uma só palavra: busca. A busca é a minha droga, minha obsessão, meu santo gral. Enquanto busco, minha vida tem sentido.

Hoje fui dormir com isso na cabeça e, enquanto analisava se a busca por respostas realmente possuía tamanha importância na minha vida, me surpreendi ao constatar que todos os livros e filmes que mais me marcaram tem como tema central à busca.

Em Musahi, romance épico escrito pelo japonês Eiji Oshikawa, a história do personagem título nada mais é que a mais sincera e pura busca pela pureza e perfeição do ser humano. A trajetória de Musashi vai do inferno da ignorância ao paraíso do esclarecimento. E numa metáfora sensacional, Oshikawa prova o poder da busca pelo supremo estado de iluminação quando narra a vitória de Musashi, um homem comum que devotou a vida em superar suas limitações e em polir suas habilidades, sobre seu maior rival, Sasaki Kojiro, um gênio que, por possuir habilidades naturais, nunca precisou verdadeiramente se empenhar de corpo e alma na busca pela perfeição da esgrima (e, conseqüentemente, humana).

No filme Coração Valente, dirigido e estrelado por Mel Gibson, Willian Walance (Gibson) busca a chance de viver uma vida simples e feliz ao lado da mulher que ama. Mas, ao ver a mulher amada ser morta pelas tiranas leis dos ingleses que, além disso, massacram seus compatriotas todos os dias, Willian de repente se vê diante de uma busca ainda maior: a de reclamar a liberdade e autonomia política do seu país, nem que pra isso precise morrer ou que muitos tombem sob sua espada.

Torre Negra, a saga em 7 volumes escrita por Stephen King, trata de um errante pistoleiro que dedica a vida na busca pela Torre que da nome aos livros. A busca de Roland, personagem principal da história, representa a busca maior de todo o ser humano: a origem. Se encontramos a origem de tudo, encontramos tb seu criador. Se encontramos o criador, as questões referentes à vida, morte, tempo e espaço são respondidas. Bom, pelo menos é o que se espera.

Em Clube da Luta, a busca é pela reafirmação do “verdadeiro homem”, um ser que teve sua natureza castrada ao longo dos anos e foi obrigado a adaptar-se as exigências muitas vezes fúteis, superficiais e altamente feministas da sociedade contemporânea.

No livro O Dragão Com Asas de Borboletas e Outras Estórias Zen-taoístas, o autor nos incentiva a não levar a vida tão a sério, afirmando que a busca pelo auto-conhecimento e pela iluminação espiritual deve ser realizada com sinceridade e dedicação, sim, mas nunca esquecendo de rir da vida e de si próprio.

Em Kill Bill, a busca é por vingança. Ponto. =P

Em o Último Samurai, filme estrelado por Tom Cruise e Ken Watanabe, a busca é por valores nobres, tais como, honestidade, honra, compaixão, perseverança etc.

Eu poderia ainda citar filmes como O Poderoso Chefão, Forrest Gump, Os Imperdoáveis, Os Sete Samurais, Gladiador ou livros como O Senhor dos Anéis, Xogum, O Pequeno Príncipe e muitos outros exemplos que me atraem por terem como tema principal as buscas e conquistas de seus protagonistas.

Se hoje me sinto incompleto, isso ocorre pq não conclui as buscas que iniciei e pq fui incapaz de abraçar teorias que, uma vez adotadas, gera uma infinidade de novas buscas e descobertas (como as religiosas, por ex).

Talvez minha preferência por livros e filmes que tratam prioritariamente de buscas (sejam elas quais forem) seja uma forma de encontrar atalhos para minha própria jornada.

domingo, 10 de setembro de 2006

É PRECISO TER FÉ

Hoje, por nenhum motivo especial, me dei conta de como é fácil "seguir com a vida" quando terminamos o namoro com alguém. No início, o vazio deixado pelo término dessa relação nos afoga em sensações que vão da saudade à melancolia. Com o passar do tempo, no entanto, os sentimentos que nos envolve são o oposto, de antecipação e promessa. Percebi que isso acontece pq sabemos que esse "fim" será temporário, pois logo encontraremos uma maneira de superar essa perda.

Terminar um namoro nos abre portas para curtir novas experiências ou voltar a experimentar coisas que gostávamos de fazer e tivemos que abrir mão por causa das limitações impostas em nossa última relação. Temos a chance de encontrar um novo amor, de ficar com várias pessoas sem se prender a ninguém, ou mesmo ficar só e apenas curtir as vantagens dessa condição, podendo voltar nossa total atenção aos estudos ou o trabalho, por ex.

Ao chegar a essa conclusão, perguntei-me: por que essa facilidade de superação não se aplica a todas as coisas, então? Por que é tão difícil superar a morte de parentes e amigos próximos, ou mesmo superar o medo da nossa própria morte, por ex? Por que é tão difícil dar adeus a certas coisas, aceitar sua impermanência? Num átimo, a resposta me veio a mente: é preciso acreditar em algo, ter fé.

Quando terminamos com alguém, nós acreditamos que a dor que iremos sentir é temporária e que, mais cedo ou mais tarde, encontraremos uma solução satisfatória para essa questão. Além disso, terminar com alguém não representa um fim irremediável. Para começar, a(o) namorada(o) não morreu, apenas deixou de ser uma pessoa especial para nós. A possibilidade de reatar a relação num futuro próximo ou dos dois continuarem amigos nos conforta. E, mesmo que nada disso aconteça, a certeza que temos de um dia poder encontrar outra pessoa ou de encontrar consolo em outras coisas igualmente significativas nos da forças. E isso, no meu entender, é ter fé.

Essa é a mesma fé que conforta os cristãos na hora da morte, quando “sabem” que, apesar do seu corpo ter chegado ao fim, seu espírito continuará vivo por toda a eternidade junto ao seu Deus, criador de todas as coisas. Essa é a mesma fé que conforta os budistas, que encaram o fim carnal apenas como um ciclo kármico de morte e renascimento evolutivo. Até mesmo os ateus convictos encontram conforto na fé de que a morte representa não só o fim do corpo como da consciência existencial.

Mas a fé não se trata apenas de coisas profundas como a morte. Ela se faz presente até mesmo nas pequenas ações do dia-a-dia. Se você estuda horas a fio para uma prova, por ex, é porque acredita (tem fé) que isso lhe garantirá uma boa nota. A esperança de que tudo irá acabar bem ou que faz sentido “acreditar” é o que te motiva a namorar, fazer amigos (e cultivar essas amizades), fazer um curso, trabalhar, viajar, aceitar teorias científicas e religiosas e até praticar ações negativas, como promover guerras, atentados terroristas ou mesmo se matar.

No final das contas, o “significado da vida” ou o “segredo da felicidade” está intimamente ligado as suas crenças pessoais. Se você acredita em coisas positivas, sua vida ganha significado; se sua vida tem significado, vc é feliz.

A grande questão, porém, é que adquirir uma fé tão inabalável é mais difícil do que parece. Coisas como vida (ou não vida) após a morte e o surgimento do universo são tão subjetivas e carentes de provas concretas que é quase impossível aceitar uma única teoria como verdade absoluta. No que diz respeito a essas duas questões, por ex, eu sinto ainda uma enorme dificuldade em abraçar uma única resposta, deixando de lado tantas outras que fazem igual sentido.

Invejo aqueles que são capazes de acreditar totalmente numa única teoria sobre a morte. Estou certo de que suas vidas são muito mais simples e significativas do que as dos não crentes (como eu).

Para ser feliz, é preciso ter fé. Mas para ter fé, às vezes é preciso optar pelo caminho cômodo da ignorância (ou da “crença cega”). E isso é algo ao qual eu ainda não estou preparado pra fazer.

terça-feira, 5 de setembro de 2006

A CONCHA DA INÉRCIA


Recentemente estive lendo novamente "Musashi", de Eiji Yoshikawa. Como sempre acontece quando releio este livro, fui surpreendido com uma passagem que traduz perfeitamente meu estado de espírito atual. Dessa vez, trata-se de um sentimento (aliás, uma ausência de sentimento) que aflige meu espírito de tempos em tempos e o qual comumente chamamos de "inércia".

Apesar de seus efeitos colaterais serem facilmente identificados, a inércia é um estado difícil de ser definido, pois sua natureza é mais subjetiva do que se supõe. É difícil explicar em poucas palavras o que esse estado representa, e justamente por isso me surpreendi com a definição clara, concisa e objetiva que o Eiji Yoshikawa deu sobre a inércia em seu romance.

Em determinado capítulo do livro, Musashi, sofrendo com um surto de inércia, diz: "(...) Parece-me que fui de encontro a uma parede e chego a pensar que estou acabado. Essa incapacidade de agir é uma espécie de doença que me devasta uma vez a cada dois ou três anos. Nessas ocasiões, costumo contra-atacar, fustigar meu espírito, que quer se render à lassidão, romper essa dura concha de inércia e sair. Uma vez fora, descortino um novo caminho, por onde sigo outra vez sem hesitar. E então, três ou quatro anos depois, torno esbarrar numa nova parede, e sou acometido uma vez mais pela mesma doença."

Mais adiante, Eiji Yoshikawa continua abordando o tema, agora em off: "A angústia dos acometidos pelo mal da inércia só pode compreender quem já a experimentou alguma vez. Ócio é algo com que todo ser humano sonha. O mal da inércia, entretanto, fica longe da agradável sensação de descanso e paz que o ócio proporciona: quem por ele é acometido não consegue agir, por mais que se empenhe. Mente amortecida e visão embaçada, o enfermo debate-se na poça do próprio sangue. Está doente, mas o corpo não apresenta alterações."

"Batendo a cabeça na parede, sem conseguir recuar ou progredir, preso num vácuo imobilizante, a pessoa sente-se perdida, duvida de si mesma, despreza-se, e por fim chora."